‘Mindfulness’​ não é um inimigo

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A leitura do artigo “O ‘mindfulness’ corporativo não aumenta salário nem traz horas livres, ele só arruína o seu trabalho” publicado pelo El País me despertou um chamado de trazer luz ao tema. Como praticante e estudioso do assunto, decidi trazer um contraponto àquilo que acredito que pode gerar um entendimento equivocado em relação a como o Mindfulness e a Inteligência Emocional podem ser aplicados no ambiente organizacional.

Fogo amigo?

Compreendo o propósito do artigo que é – acredito – questionar as reais motivações que uma organização tem ao oferecer programas de inteligência emocional (por exemplo) aos seus colaboradores. Dessa maneira, há razão em levantar essas dúvidas, visto que não há coerência em disponibilizar tais programas se o verdadeiro interesse for deixar as pessoas menos impactadas em ambientes cada vez mais “desumanos”.

Em contrapartida, com base no que eu tenho observado, existem muitas companhias preocupadas e engajadas com o desenvolvimento e a saúde mental de seus colaboradores. Equipes de RH, gestão de pessoas e people & culture muitas vezes tentam trazer mais o cuidado com as pessoas para dentro das organizações.

Por isso, não acredito ser justo generalizar toda e qualquer empresa como sendo mal intencionada, como sugere o artigo. Penso ser equivocada a conclusão do artigo, sugerindo que a responsabilidade das gestões se limitaria a pagar salários compatíveis em dia, oferecer cargas de trabalho e folgas justas.

Consciência empresarial

É legítimo que uma empresa que busca ampliar sua consciência também aspire por líderes, gestores e equipe alinhados à essa expansão. É disso que também surge o desejo por colaboradores que estejam preparados para se comunicar melhor, assim como um líder que seja mais empático. Tudo isso pode ser sim trabalhado como programas de inteligência emocional, produtividade consciente, entre outras.

Ao aderir a um bom programa de gestão emocional/mindfulness, as pessoas aprendem, por exemplo, a dizer não, a pausar e silenciar antes de uma reunião importante, ou até mesmo a refletir “é necessária essa reunião?”.

Frederic Laloux, em “Reinventando as Organizações”, disserta sobre os diferentes estágios de maturidade nas organizações – bem como o seu nível de consciência. A partir dessa referência, poderíamos assumir que organizações diferentes, assim como as pessoas, estão em níveis de consciência diferentes. É por esse motivo que não se pode generalizar. Isso se aplica inclusive às consultorias que oferecem esse tipo de programa.

O tiro pode ter saído pela culatra

Levando em consideração a mentalidade de quem normalmente não aprova essas iniciativas do pessoal de RH, provavelmente encontrará  no artigo do El País bons argumentos para limitar o investimento da empresa em desenvolvimento de pessoas.

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Assim, penso que o artigo, que parece sair em defesa dos colaboradores, traz argumentos que poderiam fazer um diretor/gestor vetar um orçamento de investimento em pessoal. Um tiro que sai pela culatra.

Boas práticas

Algumas ponderações do artigo são importantes de serem consideradas, novamente, entendendo que no mundo das organizações há boas e más práticas, como há em todos os lugares, possivelmente no jornalismo também.  Aproveitemos os pontos então para dar sugestões de boas práticas para quem quer implementar programas como esse:

  • Se há algum programa interno de desenvolvimento que a empresa espera que as pessoas participem, é importante deixar claro na hora da contratação. A maioria dos profissionais irão entender isso com bons olhos, mas a clareza é importante.
  • Envolver as pessoas no processo decisório sobre investimento em desenvolvimento. Muitos programas fracassam simplesmente porque são determinados e não demandados pelos participantes.
  • Oferecer programas como opcionais, não como obrigatórios.
  • Clarear para todas as partes os objetivos do programa,  o que envolve participantes, lideranças, RH e, muito importante, a consultoria.
  • Checar se a consultoria conhece o tema a fundo, se tem experiência e se suas motivações são compatíveis com o que se espera dela.

Cito um dos fundamentos da teoria do conhecimento proposto por Paulo Freire, que diz:

“Ninguém educa ninguém e ninguém se educa sozinho.”

Pergunto…   Por que tirar da esfera organizacional a responsabilidade de desenvolver pessoas nas suas mais diversas capacidades?

Uma via de mão dupla

Quando olhamos para o futuro, devemos refletir sobre a inclinação que as companhias apresentam a partir do cenário desafiador que vivemos hoje. A intenção deve ser sempre a de avaliar  as possibilidades de progresso, abrindo o debate e o diálogo.

Afinal, quem busca evolução pode, sim, contribuir para um ambiente de trabalho mais agradável, empático e – não vamos negar – mais produtivo.

Para (não) concluir

Aprendi nesse caminho que as pessoas andam junto às empresas e vice-versa. O mundo corporativo compreende cada vez mais que uma gestão mais consciente da atenção com as pessoas reflete um ambiente melhor para se trabalhar, o que atrai melhores profissionais. Não à toa, o selo Great Place to Work é ostentado pelas companhias que o obtém – reflexo das pessoas que lá trabalham.

Apesar de bater na tecla de que não concordo com o posicionamento central do artigo do El País, acredito que combatemos o mesmo “adversário”. O ponto em que estamos juntos é no questionamento daqueles que se apropriam não só do mindfulness ou de programas de desenvolvimento humano, mas de qualquer iniciativa apenas visando a manutenção do status quo em busca de resultado financeiro a qualquer custo. Esse é um inimigo comum.

Mas temos que tomar cuidado e não estigmatizar as ferramentas, não é nelas que está o problema.

Acho sim que o artigo pode gerar muitas confusões nas suas generalizações e reducionismos, entretanto, reforço a provocação que o texto faz às empresas: Quais as reais intenções de suas práticas? Os demais deveres de casa estão sendo feitos? Estamos ampliando e promovendo a ampliação da consciência?

O que aprendi produzindo esse artigo

Discursos de ódio não criam diálogos. O mundo precisa de uma cultura de paz, e generalizações não ajudam nisso.

Toda generalização, inclusive esta, carrega consigo um preconceito.

Estou aberto ao debate.

Daniel Spinelli

Estudando e trabalhando com consciência para vida e trabalho.

Referências:

O Artigo do El País que gerou este post: https://brasil.elpais.com/estilo/2021-04-29/o-mindfulness-corporativo-nao-aumenta-salario-nem-traz-horas-livres-ele-so-arruina-o-seu-trabalho.html

Laloux, Frederic. Reinventando as Organizações. 2018

Freire, Paulo. Pedagogia da Autonomia. 1996

https://br.financas.yahoo.com/noticias/inteligência-emocional-para-que-te-100027321.html

https://exame.com/blog/sua-carreira-sua-gestao/tendencias-no-mercado-de-trabalho-o-que-esperar-de-2022/

https://www.roberthalf.com.br/sites/roberthalf.com.br/files/documents/Inteligencia%20Emocional%20e%20Saude%20Mental_RH%20e%20TSOL_set2021.pdf

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